sexta-feira, dezembro 15, 2006

Conferência IV

O comentador e analista Nuno Rogeiro explicou ao EXPRESSO a partir da capital iraniana que se encontra no Irão a convite do ministério dos negócios estrangeiros daquele país para realizar uma "fact finding mission", durante a qual manteria encontros com responsáveis políticos, representantes da sociedade civil, embaixadores e com especialistas em questões de defesa e segurança. E garante que a sua participação na conferência "Revisão do Holocausto: uma Visão Global", que terminou ontem em Teerão, acabou por ser quase uma coincidência temporal: "entendi que, estando aqui, não podia deixar de falar sobre o assunto".

No rescaldo do que considera ter sido "um dos dias mais dramáticos" da sua vida, o analista político conta que foi já no local da reunião que, depois de se aperceberem do conteúdo da sua declaração ("Holograms of Holocausts"), na qual critica violentamente a negação do Holocausto, que os organizadores terão mudado de ideias. Mas não só. Ao notar a presença na sala do norte-americano David Duke, líder do Klu Klux Klan, cuja participação no encontro tinha sido profusamente destacada pela imprensa internacional, Rogeiro afirma que se recusou a entrar enquanto Duke não saísse. Entre as duas coisas, o papel com o seu nome foi retirado e rasgado: "até acabei por o guardar".

Mulher e filhos na memória

Ao aproximar-se do local da conferência, ontem (terça-feira) à tarde, Rogeiro confessa ter hesitado: "não fazia a mínima ideia do que me ia acontecer". "Pensei na minha mulher, nos meus quatro filhos e acabei por sentir uma sensação de uma certa libertação", recorda Rogeiro que decidiu avançar apesar de ter havido "uma série de provocações": "achei que tinha o dever, como amigo do Irão, de lhes dizer que não estão a ir na boa direcção, penso que perderam em dois dias muitas coisas que ganharam nas últimas duas semanas". E resume: "a conferência era uma farsa".

"Isso é um disparate", indigna-se Flávio Gonçalves, o outro cidadão português que também se deslocou a Teerão para participar na conferência. "Eu não consigo acreditar nisso por uma razão muito simples: cada orador falou livremente e nenhum dos textos foi vistoriado antes de ser apresentado", contou este assumido revisionista ao EXPRESSO.

Gonçalves garante que houve mesmo "algumas apresentações muito críticas que não foram censuradas e ninguém proibiu os oradores de participar" . Quanto à presença do líder do KKK, este estudante de História, que se define como "sindicalista-revolucionário" garante que o incómodo foi geral: "Ninguém gostou da presença do David Duke, eu também ignorei a personagem durante todos estes dias" .

De acordo com a informação disponibilizada por alguns participantes no encontro nos seus sites na Internet, a intervenção de Nuno Rogeiro já era esperada pelos organizadores há vários dias. Apresentado como "jornalista", o português era um dos participantes no painel nº6, "Visão Global", marcada para a tarde de ontem.

Ao seu lado estariam outros três oradores, entre os quais Herbert Schaller, advogado austríaco conhecido por defender em tribunal vários negacionistas, nomeadamente o britânico David Irving, actualmente a cumprir uma sentença de três anos de prisão em Viena.

Apesar das declarações prévias de responsáveis iranianos de que estavam dispostos a dar voz a opiniões diferentes, o painel de oradores foi assim dominado por defensores de teses revisionistas enegacionistas, indivíduos que defendem que o Holocausto, o programa de extermínio do povo judeu levado a cabo pela Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial, pura e simplesmente não existiu ou que as suas dimensões ficaram muito aquém dos seis milhões de mortos estabelecidos pelos historiadores.

"Que eu saiba não houve uma única voz que se opusesse ao tom dominante", conta Rogeiro, que explica ter equacionado a possibilidade de a sua presença poder servir para legitimar a conferência. E que depois de ter "trocado impressões com o embaixador de Israel" em Lisboa, decidiu que se limitaria a ler a sua intervenção "de cerca de 30 minutos" que depois entregaria aos representantes do MNE iraniano, o que acabou por fazer.

Flávio Gonçalves discorda: "Eu diria que 50% revisionistas e 50% crentes, foi bem equilibrado".

Esther Mucznik, vice-presidente da comunidade judaica em Portugal conta que, contactada previamente por Nuno Rogeiro, lhe comunicou discordar da sua participação, pois "independentemente da bondade da intervenção, era estar a caucionar um encontro que era uma farsa, uma farsa perigosa".

Os dois dias de reunião na capital iraniana suscitaram um coro de críticas, de Israel à Europa, do Vaticano aos Estados Unidos. O chefe da diplomacia portuguesa afirmou ao EXPRESSO que a conferência era "uma provocação", uma iniciativa "negativa" que contribui para "agudizar ainda mais as tensões" entre o ocidente e o mundo islâmico. Quanto à participação de cidadãos nacionais no encontro, Luís Amado frisou tratar-se de "participações a título individual": "as pessoas são livres. Não o fazem com o aval do governo".

Sem comentários: