domingo, novembro 16, 2008
Charles Maurras
Charles Maurras (20 de Abril de 1868 - 16 de Novembro de 1952) foi jornalista, dirigente e principal fundador do jornal Action Française.
Charles Maurras, o grande doutrinador francês
Tradução e selecção de Alexandre A. Pinto Coelho do Amaral (In Mensagem, n.º 8, págs. 7/8, 15.12.1947)
Uma análise objectiva do pensamento do grande escritor da Action Française, revela, indubitavelmente, que as suas ideias representam no terreno político-ideológico, uma superação do positivismo tal como ele era entendido no último quartel do século XIX. O apelo à experiência sensível que constitui a realidade toda e que o espírito reproduz por meio de luz científicas, é substituído em Maurras pelo apelo à inteligência hierarquizadora e ordenadora, que descobre através da história as realidades criadoras, as realidades valiosas e perenes. Quer dizer; o racionalismo passa a superar o experimentalismo.
Em face desta posição inicial devem ser analisadas as doutrinas do Mestre. O combate à liberdade-liberal é inspirado, na essência, pela contradição que esta encerra em si: por um lado afirmando-se contra qualquer norma; por outro afirmando-se a si própria como norma. A apologia do nacionalismo, numa finíssima intuição dialéctica das relações entre indivíduo e Estado: «o homem chama-se sociedade» e por isso «todo o perigo social encerra um perigo para o indivíduo». A forma actual e corrente de sociedade é a Nação. Ou seja demonstrada a insubsistência da pura vontade autónoma, não parte Maurras para a supremacia de qualquer ser externo e opressivo, antes e justamente concebe como o ‘substractum’ próprio do homem a sua integração no todo social.
Junto da razão, porém, descobre o autor de «Les Amants de Venise», um elemento diverso e oposto: é o sentimento. O sentimento deve subordinar-se à razão, sem dúvida, mas não é a ela redutível, nem ambos podem unir-se em qualquer síntese superior (o paganismo de Maurras, segundo ele próprio o confessa, consiste na aceitação das dualidades antinómicas). Daí a separação, por vezes exposta em termos ambíguos e paradoxais, entre a moral e política. A primeira situa-se na ordem subjectiva, a segunda na ordem objectiva e intelectual. Na construção perfeita das coisas «a moral» torna-se «uma política suprema», pela interiorização na consciência das verdades sociais; mas tal interiorização reclama — uma crença, uma religião, e daí a aceitação pragmática da Igreja católica cuja ideia de Deus ao contrário da protestante, não constitui um perigo para a sociedade.
Em tudo isto se revela a grandeza e a fraqueza de Maurras: o vigor rigoroso e subtil da sua crítica, a sua ausência trágica duma metafísica que mostrasse a razão e o sentimento numa harmonia recíproca, que a ambos alicerçasse, numa sólida concepção do Mundo e que desse plenitude sistemática às suas construções políticas. Metafísica essa que só poderia ser um vasto e compreensivo Idealismo objectivo «da linha Aristóteles-S.Tomás-Hegel».
Tais são os princípios que inspiraram o subtil crítico do «Romantisme Féminin». À sua luz concluiu ele pela Monarquia tradicional (ditador e rei) e pelo classicismo, contra a República e contra o Romantismo. Foram estas atitudes, defendidas com uma energia a toda a prova, que o celebrizaram, criando-lhe os mais entusiásticos admiradores e os mais rancorosos inimigos.
Toda a sua vida serviu sem tibieza à França e ao Rei desde os longínquos artigos da «Gazete de France» até às polémicas continuadas de «l’Action Française». Abandonado e reprovado por aqueles a quem mais directamente servia a sua acção, Maurras nunca soube desanimar ou recuar. Até ao fim ele combateu os cúmplices do Kremlin, os provocadores da guerra, os falsos ‘aliados’, os que arrastaram a sua Pátria à catástrofe, até ao fim sem uma hesitação, sem um gesto de temor.
Hoje, o inimigo acérrimo e injusto da Alemanha, jaz num cárcere como traidor, enquanto os quatro estados confederados — judeu, mação, protestante e meteco — de novo tripudiam na pátria de S. Luís e Joana d’Arc; hoje as multidões esquecidas não recordam mais os mártires do 6 de Fevereiro, nem os de Oran e Mers-el-Kibir, e alanceadas pelo medo aglomeram-se, timidamente, em volta dum dos responsáveis pelo regresso da Democracia a terras de França. Sim, hoje jaz no cárcere Charles Maurras!
Mas não serão as vinganças rancorosas, nem as calúnias grosseiras, nem os uivos de insaciáveis ódios que conseguirão apagar do firamento da inteligência o brilho da sua admirável obra, nem da recordação de todos nós e a lição inexcedível e o exemplo sem par da sua acção e da sua vida.
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Politique d`abord
Quando dizemos politique d`abord, dizemos: a política primeiro, primeiro na ordem do tempo, de modo algum na ordem da dignidade. É o mesmo que dizer que a estrada deve ser tomada antes de se chegar ao ponto terminal; a flecha e o arco devem ser pegados antes de se ferir o alvo; o meio de acção precederá o centro do destino.
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Em política, a nossa mestra é a experiência.
A Monarquia
A necessidade da Monarquia demonstra-se como um teorema. Uma vez posta em postulado a vontade de conservar a nossa pátria francesa, tudo se encadeia, tudo se deduz num movimento inelutável.
A fantasia, a escolha, não têm aí cobrimento: se resolvestes ser patriotas, sereis obrigatoriamente monárquicos. Mas, se sois assim conduzidos à Monarquia, não tendes a liberdade de obliquar para o liberalismo, o democratismo ou os seus sucedâneos. A razão assim o quer. É preciso segui-la e ir até onde ela conduz.
O menor mal, a possibilidade do bem
Não sendo charlatães da Monarquia, como há charlatães da Democracia, nós nunca ensinámos que a Monarquia afasta, apenas pela sua presença, os males com que a guerra civil ou a guerra estrangeira, as epidemias físicas ou as pestes morais podem ameaçar as nações. O que dizemos é que, em países que são constituídos como a França, a Monarquia hereditária reúne não as melhores, mas as únicas condições de defesa contra estes flagelos. A Monarquia não é incapaz de erros, mas está melhor armada que qualquer outro poder para lhes fazer face, se prevenir, e em caso de desgraça regressar à verdade procedendo às reparações necessárias. Que uma brusca evolução económica se imponha, pode a Monarquia presidir a ela, senão sempre com felicidade, ao menos com um mínimo de desgastes. Se tomados por um ciclone, como a história os viu por vezes desencadearem-se, se tenta alguma revolução brutal, a passagem é menos rude, a subversão menos completa, quando ele se produz sob um chefe, sob um príncipe cuja sucessão, estando de antemão regulada, excluirá todo o conflito de competidores. Assim, em Monarquia, os interesses superiores, os mais vastos, os mais graves, estão situados numa atmosfera bastante elevada e bastante serena para que seja de esperar que o furacão chegue até lá. Se, apesar de tudo, ele lá chegar, então, tanto pior! O género humano no máximo da sua miséria sempre terá gozado do máximo de garantias possíveis. Nessa desgraça imensa, o mal seria mais frequente, mais completo e mais doloroso se o poder supremo estivesse colocado mais baixo.
Mesmo decaída, desmoralizada, desvairada, a Monarquia implica, ela mesma, o sentimento, e deixa após ela a noção duma responsabilidade, duma memória, duma previsão, tudo coisas de que os Parlamentos democráticos são desprovidos.
A Monarquia real confere à política as vantagens da personalidade humana: consciência, memória, razão, vontade; o regime republicano dissolve os seus desígnios e os seus actos numa colectividade sem nome, sem honra nem humanidade. Por isso, como a Monarquia representa naturalmente a capacidade do maior bem e do menor mal, a República representa a personalidade permanente do pior mal, do menor bem. Quanto aos elementos do mal e do bem, isso são dados que dependem das circunstâncias e dos homens: nenhum regime cria homens nem as suas circunstâncias intelectuais e morais.
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Sim, a República é o mal, sim o mal inevitável em República. E o que nós dizemos da Monarquia é que ela é a passibilidade do bem. O bem público, impossível em República; mesmo numa Monarquia que se afaste do seu fim, o mal público permanece muito menos nocivo que em república, pois está sempre sujeito a acabar, com o mau ministro ou o mau rei, e o mal republicano, sendo inerente à República, só com ela poderá terminar.
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Para a maior parte dos homens do séc. XIX, e hoje ainda absolutismo é sinónimo de despotismo, de poder caprichoso e ilimitado.
É absolutamente inexacto: poder absoluto significa exactamente poder independente; a monarquia francesa era absoluta uma vez que não dependia de nenhuma outra autoridade, nem imperial, nem parlamentar, nem popular: mas nem por isso ela deixava de ser limitada, temperada por uma multidão de instituições sociais e políticas hereditárias ou corporativas, cujos poderes próprios a impediam de sair do seu domínio e da sua função. O seu direito confinava com uma multidão de direitos que a sustinham e equilibravam. A antiga França estava eriçada de liberdades.
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É preciso regressar a um regime que restabeleça a distinção entre Governo, encarregado de governar, e a Representação encarregada de representar.
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A República tem a necessidade de se impor às consciências, uma vez que repousa sobre as vantagens. Ela tem necessidade do entusiasmo dos seus súbditos, que são os eleitores a que, nominalmente, constitucionalmente, têm nas suas mãos o seu destino.
Ao contrário, a Monarquia existe pela sua própria força suâ mole stat. Não tem necessidade de consultar a cada instante um pretenso soberano eleitor. Basta-lhe, em suma, ser tolerada, suportada, e no entanto ela tem sempre mais e melhor, precisamente porque o seu princípio não a obriga a importunar as pessoas, a ei-las a intimar constantemente a acharem-na bela.
A República é uma religião. A Monarquia é uma família. Esta de nada mais necessita do que a achem aceitável. Aquela exige que sigamos os seus ritos, os seus dogmas, os seus sacerdotes, os seus partidos.
O Rei
Corruptível enquanto homem, o Rei tem como Rei uma vantagem imediata e sensível em não ser corrompido: a sua regra de sensibilidade é de se mostrar insensível a tudo o que não afecte senão o particular, o seu género de interesse é o de ser naturalmente desprendido dos interesses que, abaixo dele, solicitam todos os outros: este interesse é o de se tornar independente.
O Rei pode-o desfazer, pode-o esquecer. Ponhamos as coisas no pior. Um espírito medíocre, um carácter fraco expõe-no ao erro e ao desprezo. Nada disso importa! O seu valor, o valor de um homem é incomparavelmente superior ao da resultante mecânica das forças, à expressão de uma diferença entre dois totais.
Pouco que valha o seu carácter ou o seu espírito, ainda assim ele é um carácter, um espírito, é uma carne de homem, e a sua decisão representará humanidade, enquanto que o voto de 5 contra 2 ou de 4 contra 3 representa o conflito de 5 ou de 4 forças contra 2 ou 3 outras forças. As forças podem ser, nelas mesmas, pensantes, mas o voto que as exprime não pensa: quanto a ele, não é uma decisão, um juízo, um acto corrente e motivado, tal como o desenvolve e encarna o Poder pessoal de uma autoridade consciente, nominativa, responsável.
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Este poder julga em qualidade. Aprecia os testemunhos em lugar de contar as testemunhas.
Bem ou mal, é assim que ele procede, e este processo é, em si, superior ao processo de adição e subtracção.
Tendo interesse em saber a verdade afim de fazer justiça, ele encoraja uns, tranquiliza outros e por vezes não ouve senão um, se um só lhe parece digno de ser ouvido. Se for caso disso, ele defende-o contra as ciladas e as tentações dos poderosos. Este discernimento humano dos valores intelectuais e morais difere, como o dia da noite, do processo cego e grosseiro das democracias. A ideia de tudo reduzir a uma espécie de combate singular ou a uma batalha geral dos interesses em causa é uma regressão, reflecte sob uma força nova e muito menos bela, aqueles duelos judiciários de que os predecessores de S. Luís já se mostravam indignados.
Só a barbárie pode ter confiança nas soluções das maiorias e do número. A civilização faz intervir, sempre que possível, o discernimento da verdade, o culto do direito. Mas isso supõe que o Um, tomado por juiz e por chefe, se distingue das forças chamadas a ser arbitradas por ele. O soberano não é súbdito, o súbdito não é o soberano. Misturando-os, a democracia baralha tudo, complica tudo, retarda tudo, e a sua degressão devolve tudo aos mais baixos estádios do antigo passado.
FONTE
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1 comentário:
excelente artigo. Muito bom mesmo.
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