quarta-feira, dezembro 31, 2008

Se Gaza cair, Cisjordânia cairá depois
































O que está acontecendo em Gaza, ante nossos olhos, é a destruição de toda uma sociedade e nenhum clamor se ouve, para além dos avisos da Organização das Nações Unidas (ONU), que são ignorados pela comunidade internacional. Com o bloqueio praticado por Israel, população da região (cerca da metade é composta por crianças) está sem alimentos e remédios.

O cerco de Gaza, por Israel, começou em 5 de Novembro, um dia depois de Israel ter atacado a Faixa, ataque feito sem a mínima dúvida para pôr fim à trégua estabelecida em Junho entre Israel e o Hamas. Embora os dois lados tenham violado antes o acordo, nunca antes acontecera qualquer violação em tão grande escala. O Hamas respondeu com foguetes, e desde então a violência não diminuiu.

Com o cerco, Israel visa a dois principais objectivos. Um, reforçar a ideia de que os palestinos são problema exclusivamente humanitário, como pedintes, mendigos sem qualquer identidade política e, portanto, sem reivindicações políticas. Segundo, impingir a questão de Gaza, ao Egipto.

Por isso, os israelitas toleram as centenas de túneis que há entre Gaza e o Egipto, pelos quais começou a formar-se um sector comercial informal, embora cada vez mais regulado. A muito grande maioria dos habitantes da Faixa de Gaza vive em condições de miséria, segundo as estatísticas oficiais com 49,1% de desempregados. De facto, os habitantes de Gaza já sabem que está desaparecendo rapidamente, para todos, qualquer possibilidade real de emprego.

Dia 5/11, o governo de Israel fechou todas as vias de entrada e saída de Gaza. Comida, remédios, combustível, peças de reposição para as redes de energia, água e esgoto, adubo, embalagens, telefones, papel, cola, calçados e até copos e xícaras não entram nos territórios ocupados em quantidade suficiente, ou absolutamente nada.

Conforme relatórios da Oxfam, apenas 137 camiões com alimentos entraram em Gaza no mês de Novembro de 2008, em média, 4,6 camiões/dia. Em Outubro de 2008, entraram em média 123 quando em Dezembro de 2005, 564. As duas principais organizações que levam comida a Gaza são a UNRWA, Agência de Ajuda Humanitária da ONU para os Refugiados Palestinos e o Oriente Médio; e a WFP, "Programa Alimento para o Mundo". A UNRWA alimenta aproximadamente 750 mil palestinos em Gaza (cerca de 15 camiões/dia de alimentos). Entre 5/11 e 30/11, só chegaram 23 camiões, cerca de 6% do mínimo indispensável; na semana de 30/11, chegaram 12 camiões, 11% do mínimo indispensável.

Durante três dias, em Novembro, a UNRWA esteve totalmente desabastecida e 20 mil pessoas não receberam a única comida com que contam para matar a fome. Nas palavras de John Ging, director da UNRWA em Gaza, praticamente todos os ajudados pela organização dependem completamente do que recebem, sendo o seu único alimento. Dia 18/12, a UNRWA suspendeu completamente a distribuição de alimentos, dos programas regulares e dos programas de emergência, por causa do bloqueio israelita.

A WFP enfrenta problemas semelhantes; conseguiu enviar apenas 35 camiões, dos 190 previstos para atender as necessidades da Faixa de Gaza até o início de Fevereiro de 2009 (mais seis camiões conseguiram chegar a Gaza, entre 30/11 e 6/12). E não é só, a WFP é obrigada a pagar pelo armazenamento dos alimentos que não podem ser enviados a Gaza. Só em Novembro, pagou 215 mil dólares. Se Israel mantiver o cerco a Gaza, a WFP terá de pagar mais 150 mil dólares pelo armazenamento dos alimentos, no mês de Dezembro, dinheiro que deveria ser usado para auxiliar os palestinos, mas está entrando nos cofres de empresas israelitas de armazenamento.

A maioria das padarias comerciais em Gaza (30, de 47) foi obrigada a fechar as portas por falta de gás de cozinha. As famílias estão usando qualquer tipo de combustível que encontram, para cozinhar. Como a FAO/ONU já informou, o gás é indispensável para manter aquecidos os aviários. A falta de gás e de rações, já levou à morte milhares de galinhas e frangos. Em Abril, conforme a FAO, já praticamente não haverá galinhas e frangos em Gaza e para 70% dos palestinos, carne e ovos de galinha que são sua única fonte de proteína.

Bancos, impedidos por Israel de operar nos territórios ocupados, fecharam as portas dia 4/12. Num deles há um aviso, em que se lê: "Por decisão da Autoridade das Finanças na Palestina, o banco permanecerá fechado hoje, 4/12/2008, 5ª-feira, por falta de numerário. O banco só reabrirá quando voltar a receber moeda."

O Banco Mundial já antecipara que o sistema bancário em Gaza entraria em colapso se as restrições continuassem. Todo o fluxo de dinheiro para os programas foi suspenso, e a UNRWA suspendeu a assistência financeira a outros subprogramas, para os mais necessitados, dia 19/11. Também está paralisada a produção de livros didácticos e cadernos, porque não há papel, tinta de impressão e cola, em Gaza. Com isso, 200 mil estudantes serão afretados, ano que vem, no início das aulas.

Dia 11/12, o ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, enviou 25 milhões de dólares para o sistema bancário na Palestina, depois de um apelo do primeiro-ministro palestiniano, Salaam Fayad; foi a primeira remessa, desde Outubro. Não chegara nem para pagar um mês de salários atrasados dos 77 mil funcionários públicos de Gaza.

Dia 13/11, foi suspensa a operação da única estação de energia eléctrica que opera em Gaza; as turbinas foram desligadas por absoluta falta de diesel industrial. As duas turbinas movidas a bateria pararam e não voltaram a funcionar dez dias depois, quando chegou um único carregamento de combustível. Cerca de 100 peças de reposição, encomendadas para as turbinas, estão há oito meses no porto de Ashdod, em Israel, a espera de que as autoridades da alfândega israelita as liberem. Agora, Israel começou a leiloar as peças não liberadas, porque permanecem há mais de 45 dias no porto. Tudo feito conforme a legislação de Israel.

Durante a semana de 30/11, 394 mil litros de diesel industrial foram disponibilizados para a estação de produção de energia: aproximadamente 18% do mínimo que Israel está legalmente obrigado a fornecer. Foi suficiente apenas para fazer funcionar uma turbina, por dois dias, antes de a estação ser novamente fechada. A Gaza Electricity Distribution Company informou que praticamente toda a Faixa de Gaza ficará sem electricidade por períodos que variarão entre 4 e 12 horas/dia. Em vários momentos, haverá mais de 65 mil pessoas sem electricidade.

Nem mais uma gota de óleo diesel (para geradores e para transporte) foi entregue essa semana (como já acontece desde o início de Novembro); nem de gás de cozinha. Os hospitais em Gaza estão operando, ao que parece, com diesel e gás recebido do Egipto, pelos túneis; ao que se diz, são produtos administrados e taxados pelo Hamas. Mesmo assim, dois hospitais em Gaza estão sem gás de cozinha desde 23/11.

Além dos problemas directamente causados pelo cerco israelita, há os problemas criados pelas divisões políticas entre a Autoridade Palestina na Cisjordânia e a Autoridade do Hamas, em Gaza. Por exemplo, a CMWU, que fornece água para a região costeira de Gaza, que não é controlada pelo Hamas, é financiada pelo Banco Mundial via a Autoridade Palestina para a Água (PWA) em Ramállah; o financiamento destina-se a pagar o combustível para as bombas do sistema de esgotos de Gaza.

Desde Junho, a PWA tem-se recusado a disponibilizar o dinheiro, aparentemente porque entende que o funcionamento dos esgotos beneficiaria o Hamas. Não sei se o Banco Mundial tentou alguma intervenção nesse processo, mas, por hora, a UNRWA está fornecendo o combustível necessário, embora não tenha orçamento para essa finalidade. A CMWU também pediu autorização a Israel para importar 200 toneladas de cloro; até o final de Novembro recebeu apenas 18 toneladas suficientes para o consumo de uma semana de água clorada. Em meados de Dezembro, a cidade de Gaza e o norte da Faixa só tinha água por seis horas, a cada três dias.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, as divisões políticas entre Gaza e a Cisjordânia também têm tido sério impacto sobre o abastecimento de remédios em Gaza. O ministério da Saúde da Cisjordânia (MOH) é responsável por comprar e distribuir quase todos os produtos farmacêuticos e material de cirurgia hospitalar usados em Gaza. E todos os stocks estão perigosamente baixos. No mês de Novembro, várias vezes o ministério devolveu carregamentos recebidos por via marítima, por não haver espaço para armazenamento; apesar disso, nada tem sido entregue em Gaza, em quantidades suficientes. Na semana de 30/11, chegou a Gaza um camião com remédios e suprimentos médios, enviado pelo MOH em Ramállah; foi o primeiro, desde o início de Setembro.

Está acontecendo aí, ante nossos olhos, a destruição de toda uma sociedade e nenhum clamor se ouve, além dos avisos da ONU, que são ignorados pela comunidade internacional.

A União Europeia anunciou recentemente que deseja estreitar relações com Israel, pouco depois de as autoridades israelitas terem declarado abertamente que preparam a invasão, em larga escala, da Faixa de Gaza e de terem apertado ainda mais o bloqueio económico, com o apoio, já nada tácito, da Autoridade Palestina em Ramállah, essa, vê-se, está colaborando com Israel, em várias medidas. Dia 19/12, o Hamas deu oficialmente por encerrada a trégua (que Israel declarou que estaria interessado em renovar), porque Israel não suspendeu (nem diminuiu) o bloqueio.

Por quê, como, em que sentido, negar alimento e remédios à população de Gaza ajudaria a proteger os israelitas?

Por quê, como, em que sentido, o sofrimento das crianças de Gaza - mais de 50% da população são crianças! Beneficiaria alguém?

A lei internacional e a decência humana exigem que essas crianças sejam protegidas. Se Gaza cair, a Cisjordânia cairá depois.

FONTE

1 comentário:

Anónimo disse...

Um abraço Victor e, apesar de tudo e contra tudo, insistir e resistir em 2009. Se possível ainda for.



Nós. ( Os 3 ).



www.bandeiranegra1.wordpress.com

( Nunca consigo entrar pelo link lá no tasco...? )