terça-feira, março 04, 2008

TERCEIRA VIA


Parece cada vez mais que no século XXI estamos voltando à economia do século XIX, quando a riqueza estava tremendamente concentrada nas mãos de alguns poucos proprietários e especuladores astutos.
Nem a direita nem a esquerda parecem ser capazes de criar uma sociedade na qual todos beneficiem do aumento da prosperidade e da segurança económica. As alegações da direita de que o mercado livre enriquecerá todos os sectores da sociedade são visivelmente falsas, enquanto o tradicional welfare state (bem estar social), ou Estado de bem-estar social, europeu parece penalizar a inovação e a criação de riqueza, condenando desta forma os pobres e os profissionalmente desqualificados à pobreza e ao desemprego institucionalizados.
Assim, na nova era da globalização, ambas a ideologias criam o mesmo fenómeno: uma subclasse presa entre a assistência social e os baixos salários, uma classe média pesadamente endividada cada vez mais sujeita a inseguranças no que se refere ao trabalho e às pensões e uma nova classe de super-ricos que se esquivam de todas às regras relativas aos impostos e à comunidade. Foi no Reino Unido que o neoliberalismo emergiu pela primeira vez na sua forma decisiva. Defrontando-se com a militância sindical e a aparente falência do bem-estar social, o Partido Conservador, sob o controle de Margaret Thatcher, foi eleito em 1979. Nos Estados Unidos, Ronald Reagan assumiu a Casa Branca em 1981, e desde então os dois países anglo-saxões passaram a buscar e defender a liberalização do mercado.
Actualmente, esta filosofia estende-se até a China comunista, que, embora despreze a liberdade política, prega fervorosamente a liberalização económica. Neste ano até mesmo os franceses reconheceram a supremacia do mercado livre, elegendo um presidente que denunciou persistentemente os custos do bem estar gaulês, e elogiou as vantagens económicas do modelo anglo-saxão.
Mas os benefícios da liberalização do mercado dependem de quem a pessoa é, de onde a pessoa está e da quantidade de dinheiro ou de bens iniciais que a pessoa possui. Em termos de desenvolvimento económico, o fundamentalismo do mercado livre tem sido um desastre. As soluções de mercado livre aplicada na Rússia durante os anos Yeltsin só causaram o empobrecimento maciço, a criação de uma classe oligárquica tremendamente rica e a ascensão de um governo autoritário.
De forma similar, os índices de crescimento na América Latina e na África, que costumavam ser maiores do que os das outras nações em desenvolvimento, caíram mais de 60% depois que os países dessas regiões abraçaram o neoliberalismo patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional na década de 1980. Actualmente essas economias encontram-se praticamente paralisadas. No nível do trabalhador individual, a história é similar.
Os aumentos salariais reais nos 13 principais países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico estão abaixo da taxa de inflação desde aproximadamente 1970.Assim, já faz 30 anos que os assalariados e não os proprietários de bens de capital, enfrentam uma persistente pressão negativa sobre o seu padrão de vida.
Não foi nenhuma surpresa descobrir que a era dourada do trabalhador assalariado, expressa como uma fatia percentual do produto interno bruto, ocorreu entre 1945 e 1973, e não na época da liberalização económica. Ninguém questiona que o comércio aumenta a prosperidade, e que a liberalização de crédito e serviços financeiros permite que grupos até então excluídos suplementem os seus salários comprando ações ou casas e, desta forma, participando da economia de bens de capital.
Mas a verdadeira história do sucesso do neoliberalismo não é a disseminação dos bens para todos, mas sim a enorme e desproporcional parcela de prosperidade obtida pelos muito ricos. Nos Estados Unidos, entre 1979 e 2004, o grupo formado pelos 1% mais ricos da população experimentou um crescimento de 78% da sua fatia da renda nacional, enquanto 80% da população amargou uma redução média da sua parcela de renda da ordem de 15%.
Isto representa uma transferência de riqueza da grande maioria para uma minúscula minoria de cerca de 664 milhões de dólares. A esquerda tradicional entrou em pânico face à hegemonia neoliberal e falou na década de 1980 sobre redistribuição, maiores impostos e restrições às transferências de capital. Mas, fora da Escandinávia, eles estavam assobiando ao vento: as tradicionais economias reguladas pelo Estado pareciam amarradas ao desemprego elevado e ao crescimento reduzido. Um novo caminho para a esquerda foi fornecido pelo país que primeiro experimentou a nova direita: o Reino Unido. Ao final da década de 1990, o Reino Unido estava cansado do Thatcherismo; os seus serviços públicos não funcionavam bem e o país estava social e economicamente fragmentado. Assim, em 1997 o Novo Trabalhismo foi eleito.
Sob a batuta de Tony Blair e de Gordon Brown, os novos progressistas prometeram que os benefícios da prosperidade crescente seriam aplicados ao sector público e aos pobres. A exclusão social seria combatida com a educação e com a ampliação das oportunidades para todos. Mais uma vez o resto do mundo parou para ver a experiência social que ocorria no Reino Unido.
Será que este aparentemente exclusivo círculo neoliberal poderia ser ajustado para beneficiar a todos? Infelizmente, após dez anos a conclusão é que não.
Na era Thatcher a pobreza duplicou no Reino Unido, e este número tornou-se permanente sob o governo Trabalhista. A parcela da riqueza, excluindo habitação, usufruída pela metade inferior da pirâmide social caiu de 12% em 1976 para apenas 1%, número registado hoje. Actualmente 13 milhões de pessoas vivem em estado de pobreza relativa. A mobilidade social caiu para níveis anteriores ao da Segunda Guerra Mundial.
Os filhos menos capazes dos 20% mais ricos da população actualmente superam os filhos mais capazes dos 20% mais pobres por volta dos sete anos de idade. Quase a metade do grupo mais rico obtém diplomas universitários enquanto apenas 10% dos mais pobres não se conseguem formar. É óbvio que a Nova Esquerda consolidou a divisão de classes de forma ainda mais intensa do que a direita neoliberal. Resumindo, eis o problema: tanto a esquerda como a direita parecem incapazes de desafiar o capitalismo monopolista. Nem o bem-estar social nem o estatismo são capazes de transformar as vidas dos pobres, e, ao que parece, o neoliberalismo também é incapaz de promover tal transformação.
Somente uma economia compartilhada pode corrigir a tendência natural do mercado livre de favorecer os monopólios. Mas só é possível compartilhar quando todos são proprietários. Portanto, existe uma possibilidade radical, mas ainda inexplorada, a da propriedade e uso generalizados e amplamente distribuídos de bens, créditos e capital.
Isso dissolveria o conflito entre capital e trabalho, já que haveria um mercado sem monopólio e um Estado no qual o trabalhador assalariado, sendo ele também proprietário de capital, não necessitaria do bem-estar social.

Phillip Blond é professor de filosofia e teologia da Universidade de Cumbria.

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