terça-feira, fevereiro 24, 2009
O futuro mercado transatlântico
Enquanto a opinião pública das diferentes nações europeias se extasia ante o novo presidente dos Estados Unidos, o brilhante Barack Obama mantêm o processo de absorção da União Europeia, por parte do espaço económico e jurídico norte-americano. O sociólogo Jean Claude Paye denuncia a construção progressiva do império transatlântico e a intenção dos seus promotores em converter as liberdades indivíduas em mais uma mercadoria.
Nos países membros da antiga União Europeia, a Europa dos quinze, a questão da soberania externa tema a ver com o fim da segunda Guerra Mundial. Na sua maioria ou ocupados pelo exército americano ou membros da NATO, estes países transferiram para o executivo americano as prerrogativas soberanas (fazer a guerra e garantir a sua defesa)
A fase actual das relações entre a União Europeia e os Estados Unidos está marcada por uma especificidade; consiste no abandono da soberania interna dos países membros da Europa dos 27. Graças a uma hegemonia de direito americana no território Europeu, o executivo norte-americano exerce um poder directo sobre os povos europeus. Através de numerosos acordos as instituições da União europeia legitimam essa soberania.
A instauração de uma soberania interna do executivo norte-americano sobre os países do velho continente conduz à formação de uma nova forma de estado, o estabelecer de uma estrutura imperial submetida a égide norte americana. Trata-se de uma forma estável que difere grandemente da anterior: Na altura em que os Estados Unidos possuíam somente a soberania externa dos países europeus existia ainda a possibilidade de um retrocesso parcial ou ainda mais profundo e sem a intervenção de uma revolução social, como demonstra a saída da França do NATO, por decisão de Charles de Gaulle. Um acto de independência como esse, por parte de uma nação europeia, deixa de ser possível se os Estados Unidos exercerem controlo directo sobre os habitantes do velho continente.
Um grande mercado transatlântico para o ano de 2015
Uma resolução do Parlamento Europeu adoptada em Maio de 2008, legitima e projecta a criação de um grande mercado transatlântico no ano de 2015. Esta resolução prevê a eliminação das barreiras comerciais, assim como a liberalização dos mercados públicos e da propriedade intelectual e as invenções. O acordo prevê a harmonização progressiva das regulamentações e sobretudo o reconhecimento das regras em vigor em ambos os lados do Atlântico. Na realidade o direito que se irá aplicar será o norte-americano.
De forma paralela às negociações sobre a existência do grande mercado, desenrolaram-se conversas secretas com vista criação de um espaço comum para controlo das populações. Uma informação secreta elaborada por especialistas de seis estados membros, estabeleceu um projecto para a criação de uma área de cooperação transatlântica em matéria de liberdade, segurança e justiça até ao ano de 2014. Vão procurar organizar a administração interna e a justiça dos estados membros “em correspondência com as relações exteriores da União Europeia”, ou seja essencialmente em função dos Estados Unidos.
Mais que a entrega de dados pessoais e a colaboração dos serviços de policia, procedimentos já amplamente aplicados, o objectivo da criação do mencionado espaço consiste na possibilidade, de com o tempo, os cidadãos da União Europeia possam ser entregues às autoridades norte-americanas. Temos que recordar prisão europeia, resulta da criação de um “ espaço de liberdade, segurança e justiça” entre os estados membros, suprime todas as garantias que oferecia o sistema de extradição. A ordem de prisão baseia-se no princípio de reconhecimento mútuo. Considera como automaticamente conformes os princípios de um estado de direito, todas as disposições jurídicas do estado solicitante.
A instauração de este tipo de cooperação transatlântica levaria ao reconhecimento do direito norte-americano por parte dos 27 membros da União Europeia e a aceitação automática do conjunto de pedidos de extradição norte-americanos. Porém nos Estados Unidos o Military Commissions Act of 2006 (3) permite a perseguição e a prisão por tempo indeterminado de toda a pessoas designada como inimiga do poder executivo. Essa lei e extensiva aos cidadãos de qualquer país inclusive com aqueles que eles não estão em guerra. Qualquer um pode ser perseguido como inimigo, não porque existam elementos probatórios, mas simplesmente porque o poder executivo assim o designou. Nenhum governo estrangeiro negou essa lei de alcance internacional.
Grande mercado de controlo sobre os povos
O paralelismo entre a liberalização do comércio entre os dois continentes e o controlo norte-americano sobre os povos europeus esteve presente durante os 13 anos em que o processo foi negociado. Com efeito em 3 de Dezembro de 1995 teve lugar durante a cimeira USA/UE em Madrid a assinatura na Nova Agenda Transatlântica, com vista à promoção de um grande mercado transatlântico e um plano de acção comum em matéria de cooperação policial e judicial. Se bem que as negociações sobre a forma de cooperação se desenrolaram de forma contínua, as negociações tendentes à criação de um grande espaço pararam a um determinado momento. Foram abandonadas em 1998 e foi preciso esperar até ao ano de 2005 para que se reactivassem, após uma declaração económica adoptada na cimeira USA/UE em Junho de 2005.
Os avanços registados com vista à creação de uma mercado transatlçantico devem-se á acção de uma instituto norte-americano: o Transatlantic Policy Network, criado em 1992 e no qual se reúnem parlamentares europeus, membros do congresso dos Estados Unidos e representantes de empresas privadas. Pretendem criar um bloco europeu-americano no plano politico, económico e militar. O Transatlantic Policy Network conta com o apoio de de numerosos think tanks, como o Aspen Institute, el European-American Business Council, el Council on Foreign Relations, el German Marshall Fund y la Brookings Institution. E o apoio financeiro de grandes multinacionais norte-americanas e europeias como como Boeing, Ford, Michelin, IBM, Microsoft, Daimler Chrysler, Pechiney, Michelin, Siemens, BASF, la Deutsche Bank, Bertelsmann.
Um elemento importante deste “espaço de liberdade, segurança e justiça” a entrega generalizada de dados pessoais já está em marcha. Uma informação interna redigido de forma conjunta pelos negociadores, do Ministério da Justiça e do Departamento de Segurança da Pátria, pelo lado norte-americano e pelo Coreper, um grupo de representantes permanentes da união Europeia, anuncia um acordo com esse sentido para o ano de 2009 (4).
O objectivo é favorecer a entrega de dados, não só de carácter administrativo e judicial como também relativos á defesa do território. Os negociadores já se puseram de acordo relativamente a 12 pontos essenciais. Trata-se na realidade na entrega permanente às autoridades norte-americanas de uma série de informações de índole privada, como o numero do cartão de credito, detalhes de contas bancárias, as operações realizadas, os itinerários de viagens e as ligações de internete, bem como informação individual, como raça opiniões politicas, os costumes pessoais e a religião.
Os norte-americanos justificam estas exigências como uma questão económica. Segundo eles o acordo é um grande negócio, porque diminui a totalidade dos custos o que implica para o governo dos Estados Unidos a obtenção de informações da União Europeia. O objectivo não é possibilitar a transmissão desses dados ás autoridades dos Estados Unidos, pratica já amplamente aplicada, mas sim legalizar a sua entrega ao sector privado. Trata-se de suprimir todos os obstáculos legais que se oponham à difusão das informações anteriormente mencionadas e garantir para esse processo os custos mais baixos possíveis. Antes de tudo têm de garantir a rentabilidade do mercado.
Supremacia do direito norte-americano
No que respeita à necessidade de estabelecer um controle independente os negociadores europeus abandonaram a sua legislação e aceitaram os critérios norte-americanos. Admitem que o poder executivo se vigie a si mesmo. Considerando assim que o sistema de controlo interno do governo dos Estados Unidos, oferece garantias suficientes. Aceitaram que os dados ligados á raça, à religião, as opiniões politicas, a saúde e a vida sexual, sejam utilizados por um governo, na condição que as leis internas ofereçam protecção adequada. Cada governo decidira por si mesmo se respeita ou não essa obrigação.
O processo que conduz à instalação de d um grande mercado transatlântico, é o processo inverso à construção da União Europeia. O mercado comum europeu é em primeiro baseada no intercâmbio e liberalização mercantil. O grande mercado transatlântico baseia-se na supremacia do direito norte-americano. Trata-se em todo numa construção politica, onde se menciona inclusivamente uma assembleia transatlântica.
O exercício de soberania das autoridades norte-americanas sobre os povos europeus e a legitimação desse poder, por parte da União Europeia são condições para a instauração de novas relações de propriedade e intercâmbio; transformar em mercadoria os dados pessoais e liberalizar esse grande mercado sem qualquer limite.
Parlamento Europeo, «Résolution du Parlement européen sur les relations transatlantiques», B6-0280/2008, 28 de mayo de 2008.
Report of the Informel, Hight Level Advisory Group on the Future European Affairs Policy (Future group), «Freedom, Security, Privacy. European Home Affairs in a Open World», junio de 2008, p. 10, párrafo 50.
S.390 Military Commissions Act of 2006.
Council of the European Union, «Note from Presidency to Coreper, Final Report by EU-US Hight Level Contact Group on information sharing and privacy and personal protection», 9831/08, Bruselas, 28 de mayo de 2008.
Jean-Claude Paye
Tradução livre
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