domingo, janeiro 20, 2008

O negócio da co-incineração


Mal os tribunais deram luz verde à co-incineração, já os negócios começam a prosperar.
A.M.Mesquita, o consórcio Indaver Portugal/Lena Ambiente e a Tomás de Oliveira - foram excluídos do concurso por não terem apresentado a licença para a unidade de preparação dos resíduos. O único que cumpriu as exigências do caderno de encargos foi o consórcio que incluía as cimenteiras da Secil e Cimpor.
Esta opção, que já mereceu fortes críticas de três dos quatro concorrentes excluídos, bem como das autarquias locais de Sines e de Santiago do Cacém.
Quando o lobo guarda as ovelhas o rebanho começa diminuir. Alguém vai ganhar muito dinheiro com os lixos tóxicos. Os portugueses e sobretudo as populações vizinhas das cimenteiras vão ganhar em doenças e mal-estar.
Na Secil do Outão, e se for usada a disponibilidade máxima (50 a 60 mil toneladas por ano de resíduos industriais perigosos), o ganho anual varia entre três e quatro milhões de euros. Mais do que o valor cobrado pela queima de resíduos, que pode oscilar entre 10 e 20 euros por tonelada, o lucro resulta da poupança em combustível, que é tanto maior quanto mais caro é o petróleo. No Outão, os resíduos industriais - principalmente lamas oleosas com alto poder calorífico - podem representar até 40% do combustível total (petcok ou carvão) usado num ano, ou seja, uma poupança de 40% numa factura de energia térmica que foi de 10 milhões de euros em 2007. Este ganho representa 7% do lucro consolidado da Secil em 2006, mas o "lucro" varia muito em função do preço cobrado pela cimenteira, do tipo de resíduo, do combustível usado - supera cinco milhões de euros se for o carvão - e das alternativas concorrentes.
Estes são os números do negócio que dita as regras de todo o processo.
A co-incineração de resíduos tóxicos nas cimenteiras é «um negócio» para estas empresas e um processo politicamente inaceitável e pouco sério.
De acordo com os actuais conhecimentos científicos, a emissão de dioxinas, furanos, metais pesados, partículas e outros compostos tóxicos, mesmo em quantidades mínimas, constituem factores de risco muito importantes.
Esta perigosidade deve-se à «elevada toxicidade, à tendência bio-acumulativa e à dificuldade e/ou impossibilidade de biodegradação natural» dos produtos libertados. As doenças susceptíveis de surgir devido à libertação dos produtos nocivos vão desde o cancro às perturbações comportamentais, passando pela infertilidade e agravamento de situações patológicas já existentes na comunidade.
Um quadro tanto mais negro quanto se está a lidar com entidades com bem poucas preocupações ambientais, a Secil e a Cimpor não têm sido empresas idónias e respeitadoras das populações e da defesa do meio ambiente.
Esta insistência na co-incineração inviabiliza regeneração e reciclagem de resíduos, e não estimula as indústrias a reduzirem a produção de RIP's, promovendo tecnologias de substituição, medidas que, no seu conjunto, poderão reduzir a mais de metade os lixos a submeter a outras formas de valorização, nomeadamente tratamento térmico e eventual co-incineração como última solução. Este é o caminho que é correcto defender.
Mas este governo, nos lixos como na habitação, na sociedade como no território, mais não faz do que estar ao serviço da globalização, e da geoestratégia das grandes multinacionais, sem querer responder aos interesses públicos.
O antigo processo civilizacional urbano industrial, que a humanidade construiu sobretudo a partir do séc. XIX, tem a ver com uma cosmovisão maquinista do mundo e uma lógica linear que preside a esse ponto de vista.
No final do séc. XX, a cosmovisão foi-se alterando. O esgotamento dos bens naturais e das energias fósseis, o uso de materiais não recicláveis e tóxicos, revelou o carácter auto destrutivo deste paradigma.
Uma nova cosmovisão ecosistémica e uma ecotécnica, permitem encontrar fundamentos alternativos para este "modelo" esgotável, esgotante e esgotado.
Reduzir os resíduos, reutilizar objectos produzidos, reciclar e utilizar energias renováveis, possibilitam repensar o processo produtivo e encarar um desenvolvimento ecologicamente sustentado e valorizando a associação e a cooperação entre produtores, consumidores.

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